Havia acabado de chegar ao meu glorioso sítio no bairro dos Freitas, São José dos Campos, numa época da vida empolgado em ser proprietário rural, com tudo o que tivesse de relaxante, muito verde, ausência dos ruídos da cidade, um silêncio curativo. A criação de alguns animais, várias galinhas, porcos e patos, bem como uma vaquinha, além de eventuais cavalos para satisfazer aos familiares e amigos. Perfeito. Não tanto.
Quantas vezes, ao chegar ao sítio, na sexta-feira –e isso aconteceu algumas vezes, com variações−, logo me aparecia o estafermo do caseiro com más notícias. Lembro-me bem de uma delas em que ele, com expressão consternada, despejou o drama:
− O senhor não sabe, doutor, a raposa comeu aquelas duas galinhas gordas que o senhor havia dito para preparar para o almoço de domingo! Não sei como a bendita conseguiu entrar no galinheiro. E não é só isso −arrematava o arauto infeliz−, um ladrão invadiu o sítio, quando eu fui à venda, e roubou a bomba d´água do poço! É preciso comprar outra.
Já me haviam alertado sobre a ilusão de se ter um sítio e gozar do paraíso da vida rural, na realidade um desfavorável desequilíbrio entre custo e benefício. O aspecto positivo era sedutor: natureza, pomar, criação de galinhas, patos, porcos, vaca leiteira, cavalinhos mansos. Ovos abundantes, frango caipira, porco, leite e queijinho frescos, uma horta orgânica. O negativo é, em primeiríssimo lugar, o custo. Nunca comi uma leitoazinha tão cara, consumi ovos de valor exorbitante, frutos e legumes com preço superior aos das feirinhas de produtos orgânicos.
Acrescento: problemas de toda sorte, a começar do caseiro, figura terrível no mais das vezes. Só quem teve um pode avaliar. Eu tive alguns e observei outros, de maneira que sou testemunha confiável. Tem cada um…
O primeiro caseiro lá do pequeno sítio era jovem, falante, entusiasta; acabou se revelando uma caricata versão de executivo de empresa, pois queria terceirizar tudo e empurrava seu serviço: − Patrão, acho que está na hora de colocar alguém para roçar aquele pasto, não? Eu, sem acreditar, respondia: − Ora, se é justamente para isso que eu pago você! Assim eu não aguento.
Outro, trabalhador, caprichoso, porém um verdadeiro pudim de cachaça. Um dia eu tive a pachorra de contar mais de cem garrafas vazias jogadas no terreiro. Sim, ele enxugava as ampolas e as lançava no pátio. Tinha dias que sumia.
Um terceiro era pensador político, tinha suas filosofices. Até que não tinha má ideia, dizia que só votava, desde muitos anos, apenas em mulher. Nunca em homens. As mulheres, afirmava com olhar grave, simplesmente são mais honestas, na média, que os homens. Desta forma, o país melhoraria se as conduzíssemos aos cargos públicos. Caprichoso na política, mas nem tanto no trabalho de caseiro, talento desperdiçado. Não durou, foi matutar em outras paragens.
Além de despesas e problemas, logo observei, na verdade, a minha inadaptação ao meio rural, criatura da cidade, a começar pelos animais, com quem nunca tive exatamente um bom relacionamento. Confesso: nenhuma intimidade.
Caí na besteira de comprar dois cavalos para montaria. Duas garbosas éguas mangalarga marchador, acreditem, com pedigree. Fui lá buscar em Sapucaí-Mirim, na vizinha Minas Gerais. Diziam ser mansinhas e a moçada lá de casa comemorou.
Foi muito bom até o dia em que me fizeram montar. Eu, contrariado e temeroso, lá fui tentar, sem saber que os cavalos sentem essa adrenalina do cavaleiro temeroso e reagem. Não deu outra, foi só subir na égua, encaixar os pés nos estribos e segurar as rédeas que a endemoninhada saiu em disparada pasto acima, em meio à grama alta, como louca. Eu parecia um boneco de molas, balançava pra cá, inclinava para lá, segurando desesperado na sela. A bicha galopou, corcoveou, deu coice, finalmente me lançou longe, por cima de um capinzal, do qual eu saí como um bêbado, maldizendo o animal e os instigadores da má empreitada.
Depois disso, foi um caminho só em direção à venda, com prejuízo, mas feliz, encerrando minha ilusão rural. Como dizem, em tema de sítio, você tem duas alegrias, quando compra e quando vende! No entanto, acredite se puder: sinto saudades desse tempo.
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.