Nos anos 1980, após oito anos como assessor de imprensa da Câmara Municipal de São José dos Campos, fui para Monteiro Lobato como sócio de um restaurante de comida mineira. Depois, voltei ao Legislativo joseense em 1997, na equipe do vereador Cristóvão Gonçalves.
Após tomar posse, Cristóvão passou quatro anos plugado numa rede de alta voltagem, o que exigia de sua equipe guarida compatível com a energia despendida pelo chefe.
O tempo inteiro ele dedicava à resolução das demandas da população, notadamente dos segmentos que lhe garantiram o mandato. Aí inclusos vicentinos, Renovação Carismática Católica e a região leste, onde morava.
Cristóvão montou um bom gabinete. Exceto por este jornalista que, apenas esforçado, escrevia suas proposituras e, com um tema de momento, às vezes o colocava em evidência na página de opinião do hoje extinto jornal ValeParaibano, os outros eram verdadeiros pés de boi, como popularmente se diz.
Todos tinham atribuições bem definidas e ninguém estava desobrigado de chaleirar o munícipe, mesmo ante temas exóticos ou alheios ao interesse comum que, quando possível, eram resolvidos.
Abro um parêntese para Tita Selicani, secretária, em nome de quem homenageio os outros. Eficiente, Tita –hoje artista consagrada e enamorada da aprazível cidade de Cunha– incorporava o Bacubufo no Caterefofo em que se transformava o gabinete. Eram tantos os alvoroços no dia a dia que ali a gente batia, mas também apanhava, como diz a música de Os Originais do Samba.
Como disse, os assessores tinham bem delineados os afazeres, mas um, em especial, era obrigação de todos. Toda vez que ensejada, a gente reunia num informativo as principais conquistas do edil para determinado bairro e o distribuía de casa em casa.
Uma forma do vereador se comunicar. Mas, nada de simplesmente se desfazer do papel jogando-o no alpendre ou enfiando-o na caixa de correios. Não!
Sabiamente, o vereador pedia para bater palmas ou acionar a campainha, apresentar-se como seu assessor, conversar e identificar outras demandas que movessem a engrenagem do gabinete. Foi como certo dia testemunhei um fato curioso e engraçado.
Na companhia do também assessor Narciso Martins, vicentino de boa cepa, eu panfletava na região leste. Mais precisamente no Jardim Ismênia, onde as casas de algumas ruas têm pouco recuo e são próximas do passeio.
Narciso bateu palmas numa dessas casas. Uma, duas vezes. Na segunda, com mais vigor. Nada de alguém atender. Então me aproximei e sugeri que desistisse, justificando que talvez não tivesse ninguém em casa.
–– Tem sim! Olhe ali um par de pés se mexendo, respondeu.
E apontou para um pequeno vitrô de correr que, entreaberto, exibia o que pareciam ser os pés de um homem, cruzados em cima do encosto do sofá da sala. De tão próximos, quase podiam ser tocados.
Pode bater na casa vizinha que eu vou insistir aqui, recomendou-me o parceiro de panfletagem. Foi quando, à nova bateção de palmas seguiu-se um grito entonado, pausado.
–– Saaabeeesspp!!!
–– Êpa, peraí! Nada de cortar a água. A conta tá paga!, respondeu lá dentro alguém preocupado com a supressão do fornecimento.
E imediatamente os pés na janela deram lugar a um rosto amassado e cabelos desalinhados de um homem que, àquela hora depois do almoço, devia gozar de preguiçosa soneca.
De boa prosa, Narciso desculpou-se pela brincadeira, mas foi o meio que achou de tirar o munícipe do sofá para bater com ele longo papo.
Tratava-se de um metalúrgico aposentado, que aproveitou para encarrear um monte de pedidos para o vereador, inclusive o de uma perua Kombi para levar a família em Piranguinho (MG), no casamento de um parente, pleito que por óbvio não foi atendido.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.