O aposentado Nelson de Oliveira Silva exibe a imagem da santa padroeira da capela da avenida Salinas. Foto / Carlos José Bueno

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

A pé ou de carro, sempre que passava pela avenida Salinas, altura do número 2.300, perto de onde moro, na Zona Sul de São José dos Campos, aguçava-me a curiosidade uma igrejinha abraçada pela mata ciliar do córrego Senhorinha. Até o dia em que, xeretando, descobri no pequeno templo uma história de fé, esperança e milagres.

Tudo começou no final de 1992, último ano do governo do prefeito Pedro Yves, quando na margem do então límpido e piscoso córrego surgiu o barraco que deu origem à Favela Salinas.

A falta de fiscalização e até uma certa vista grossa por parte da prefeitura contribuíram para a expansão da favela no governo da prefeita Ângela Guadagnin. Em pouco tempo o trecho da margem do Senhorinha entre o acesso ao Jardim Morumbi e a via que hoje liga o Bosque dos Eucaliptos ao Campo dos Alemães estava tomada por submoradias. Estima-se que 300 famílias morassem no local quando da desfavelização sob a administração de Emanuel Fernandes.

Do outro lado da rua, em frente a capelinha que me encasquetava, mora o aposentado Nelson Oliveira da Silva, o primeiro a fixar residência naquele pedaço da avenida onde, muitos anos atrás, quando ali chegou, encontrou poeira e lama.

Dado a acolher os parentes que vinham do interior em busca de oportunidades, Nelson se viu obrigado a aumentar os cômodos da casa para receber a parentada. Até o dia em que Francisco, o cunhado, bateu-lhe à porta e deparou com a lotação completa. Para não ficar ao relento, o recém-chegado aceitou a sugestão de construir um barraco na beira do córrego. Nascia ali a Favela Salinas, 30 anos atrás.

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Em 1995, com a favela instalada, dona Maria Zelina Rosa, moradora no Jardim Estoril e frequente à Paróquia Coração de Jesus, começou a rezar o terço nos casebres junto com Nelson. A adesão aumentou e o espaço proporcionado pelos barracos ficou pequeno. Aí dona Zelina teve a ideia de construir um salão para receber os rezadores também para novenas, vias sacras e outras atividades religiosas.

O local deveria servir para a comunidade rezar, se reunir e discutir suas demandas. Quando o barracão de alvenaria e telhas de cimento amianto ficou pronto, decidiu-se transformar o lugar numa igreja. Uma cruz foi fixada no ponto mais alto do prédio, que virou a capela de Nossa Senhora das Graças, santa de devoção de Nelson e Zelina.

O prédio de 104 m2 foi construído pelos moradores em sistema de mutirão no tempo recorde de 15 dias. Sofreu atropelos impostos pela fiscalização, que acabou driblada porque boa parte da obra ficava abaixo do nível da rua. A comunidade pagou tudo com recursos oriundos de vaquinhas, doações, bingos e bazares da pechincha. Dona Zelina conseguiu os bancos com a paróquia, e a imagem da santa, doada pelo casal de vicentinos Geraldino e Manoelina, foi introduzida num oratório na parede.

Maria Zelina Rosa foi grande incentivadora da construção da igrejinha. Foto / Carlos José Bueno

No começo o padre Geraldo Alves, então titular da paróquia, rezava missas na capela. O lugar também serviu para as reuniões do Serviço Social do município com os moradores para as conversações que antecederam a retirada da favela. Quando a desfavelização se consumou, aconteceu o que, para “seu” Nelson, só tem uma explicação.

Depois que o caminhão da prefeitura carregou os móveis do último morador, as máquinas puseram abaixo dois templos de outras denominações, deixando intacta a capela, o que provocou a ira dos responsáveis pelos templos derrubados.

O aposentado diz que nem acreditou quando viu o terreno da favela limpo e a igreja de pé. Foi milagre de Nossa Senhora das Graças, atesta, sem mencionar um abaixo-assinado com 2.000 assinaturas organizado por dona Zelina com a rubrica inicial do saudoso padre Wagner Rodolfo da Silva, o que teria ajudado convencer a prefeitura a preservar a igreja no colo da mata.

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Desde então, “seu” Nelson tem a missão de fazer a limpeza e manutenção do local, que ele abre todos os dias antes das 6h para que os muitos passantes que se utilizam da pista de caminhada em frente possam fazer suas preces e pedidos à santa.

O acanhado templo não dispõe de água encanada. Quando necessário, o aposentado atravessa a movimentada via levando de casa, em baldes, água para o reservatório que alimenta o banheiro nos fundos. Já a conta de luz é paga todos os meses por dona Zelina.

Foi numa empreitada dessas que, há quatro anos, “seu” Nelson atravessou a Salinas para cair na calçada, diante da igreja. Vítima de parada cardíaca, desfaleceu. Atendido pelos paramédicos acionados pelo neto que tudo viu, ele foi submetido a cinco ressuscitações até o atendimento no hospital.

Para ele, estar vivo hoje é um evidente prodígio da santa, aos pés da qual atualmente se empenha em rezar a Oração dos Séculos, ou recitação do terço até completar mil ave-marias. No bojo, um pedido especial à Virgem Maria: que o mundo seja melhor e mais generoso, especialmente para as crianças.

– Isso não é pedir demais? –pergunto.

– Não sei… o que sei é que Nossa Senhora tudo pode! –respondeu esperançoso.

E atravessou a perigosa avenida, ligeiro como um serelepe, do alto de suas 83 primaveras.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

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