Bullying é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos, causando dor e angústia, sendo executados dentro de uma relação desigual de poder (do inglês bully, valentão).
Usamos no Brasil o termo em inglês por uma questão de conceito sedimentado. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa indica a palavra bulir como equivalente a mexer com alguém, tocar, causar incômodo ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, zombar e falar sobre, entre outros.
Na prática, sabemos o que é bullying, principalmente quando pensamos em nossas crianças e jovens, embora a prática possa ocorrer entre adultos. É nas escolas e na internet onde encontramos a maioria dos casos, quase sempre longe da visão dos adultos. Grande parte das vítimas não reage ou, o que é pior, nem fala sobre a agressão sofrida.
O que diz a lei? É crime?
O bullying está presente em diferentes normas legais no Brasil, desde a Constituição Federal, Código Civil, Código Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8.069/90, de forma indireta, até a lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015, que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).
De início destacamos que a prática do bullying por si só não é crime, mas com certeza pode resultar em um ou mais crimes, ferindo direitos e garantias fundamentais, gerais e específicas de outras pessoas.
O intuito da lei 13.185/2015 é fomentar a discussão, a prevenção e ações em todo o Brasil, principalmente nas escolas, públicas e privadas, instituindo “o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional” (art. 1º), vinculando “o Ministério da Educação e as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, bem como outros órgãos, aos quais a matéria diz respeito” (art. 2º).
O art. 3º da lei diz textualmente que haverá bullying quando acontecer violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda ataques físicos, insultos pessoais, comentários sistemáticos e apelidos pejorativos, ameaças por quaisquer meios, grafites depreciativos, expressões preconceituosas, isolamento social consciente e premeditado, assim como pilhérias.
O que diferencia o bullying de uma “simples” ofensa física ou verbal é a reiteração, a prática prolongada no tempo, causando danos maiores pela apreensão, medo da repetição, baixa na autoestima e no moral. A vítima vai entrando em um estado de depressão e medo que não raramente pode redundar em atos contra si mesma, como suicídio, ou contra o ofensor ou terceiros, chegando até ao ponto extremo de cometer homicídio, além de sofrer danos psicológicos para a vida inteira.
Classificação das intimidações conforme as ações praticadas
Segundo a lei (art. 3º) e pela prática comum, o bullying pode ser:
– verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
– moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
– sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
– social: ignorar, isolar e excluir;
– psicológico: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
– físico: socar, chutar, bater;
– material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
– virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.
Se bullying não é crime por si só, quais crimes seriam consequência de sua prática?
Como já vimos, o principal mal da prática do bullying é o resultado psicológico ao ofendido ao longo do tempo, de forma mediata. Mas há os frutos imediatos, como exemplificarei utilizando a classificação acima, onde em muitos casos haverá mais de um crime a partir da mesma conduta. Vejamos:
– Bullying verbal: o ato de insultar, xingar e apelidar pejorativamente pode gerar o crime de injúria ou injúria racial (art. 140 do Código Penal);
– Bullying moral: o ato de difamar, caluniar ou disseminar rumores caracteriza-se como crime contra a honra nas modalidades injúria, calúnia ou difamação (artigos 138, 139 e 140 do Código Penal);
– Bullying sexual: o ato de assediar, induzir e/ou abusar pode gerar o crime de estupro, importunação sexual, estupro de vulnerável (artigos 213, 215-A e 217-A do Código Penal);
– Bullying psicológico: o ato de perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar pode gerar diferentes crimes, como constrangimento ilegal, ameaça, perseguição (stalking), segundo artigos 146, 147 e 147-A do Código Penal, respectivamente, além do crime de extorsão (art. 158), se a intenção for obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa;
– Bullying físico: o ato de socar, chutar, bater pode gerar diferentes crimes, como lesão corporal (art. 129 do Código Penal) e até mesmo homicídio (art. 121), além da injúria;
– Bullying material: o ato de furtar, roubar, destruir pertences de outrem pode gerar diferentes crimes, como furto, roubo ou dano (artigos 155, 157 e 163 do Código Penal).
Cyberbullying e bullying social: devemos ter (mais) atenção
Em relação às nossas crianças, devemos ter atenção e orientação para todos os tipos de bullying, mas os tipos “silenciosos” merecem nosso olhar redobrado, pois, como dissemos, os efeitos podem ser devastadores ao longo do tempo.
O bullying social retira da pessoa, ao ser ignorada, isolada ou excluída, seu amor-próprio, sua honra subjetiva. Não é crime ignorar alguém, mas é uma falha moral, de valores, que refletem a sociedade atual, comportamento que não é antijurídico, afastando, a princípio, a tutela estatal.
O cyberbullying ou bullying virtual é relacionado ao meio digital. Haverá a intimidação sistemática na rede mundial de computadores quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial. É um tipo cada vez mais comum, escondido sob a proteção do anonimato digital, mas que pode resultar em todos os danos e crimes mencionados aqui.
Responsabilidade de escolas, clubes e agremiações recreativas e esportivas
Se a nossa preocupação maior é com os jovens e as crianças, é nos locais onde há maior concentração e convívio, incluindo a própria internet, que devemos ter mais atenção, orientando, educando e cuidando. Nosso ordenamento jurídico transfere aos estabelecimentos de ensino, além da família e do próprio Estado, parte da responsabilidade de “promover medidas de conscientização, de prevenção, diagnose e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying)”, conforme o art. 5º da lei 13.185/15 e o art. 12 IX da lei 9.394/96.
Fiquem atentos, conversem com seus jovens, busquem auxílio, se necessário. Lembrem-se dos crimes possíveis por trás da prática de bullying, mas, acima de tudo, lembrem-se dos seus efeitos devastadores para quem o pratica e, principalmente, para quem o sofre.
> Eduardo Weiss é jurista, advogado, professor, palestrante e autor. É Doutor em Direito Internacional e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.