Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

− Ei, Zezinho. Como é que você aguenta ficar horas a ler esses livros de arte ou sei lá o quê? Essas figuras esquisitas, tortas, umas lembram um pesadelo. Ouvi dizer que essa tal de Monalisa é um quadrinho mixuruca, de cerca de oitenta centímetros de tamanho, com uma mulher feia! Não sei o que viram nisso. A tal Vênus de Milos, uma estátua de mulher sem braços, toda quebrada, estragada. Não sei pra que serve!

Nada espantado com a manifestação de falta de cultura −ou mera provocação– da sempre ácida tia Filoca, quase fiquei quieto, mas no fim respondi:

− Não é assim, tia. Você sabe que desde moço sou chegado em artes de um modo geral. Já tive a grande satisfação de visitar muitos museus em viagens e apreciar isso que você chama de coisas tortas, mixórdias, sem graça ou estragadas. São obras de arte dos maiores pintores e escultores do mundo. Um universo de beleza e encanto da história do homo sapiens, que vem desde as cavernas.

Graças a Deus sou viciado em arte, pensei. Hoje, como sempre, o ser humano se perde em vícios variados, como bebidas alcoólicas, drogas ou consumo desenfreado, poder, dinheiro. Sem falar na prosaica fofoca, falar mal da vida alheia, no egoísmo, no egocentrismo e na falta de empatia. Senão na maldade pura e simples. O mundo de guerras mostra isso.

Pergunto: por que os pais não viciam, ou melhor, não conduzem seus filhos para a virtude da arte? A música, como é bonito –no primeiro mundo é muito comum– o jovem aprender a tocar um instrumento, faz parte da educação, retira-o de atividades indesejáveis e promove a felicidade em família, com encontros musicais agradáveis e gratificantes.

O mesmo se pode dizer das artes plásticas, do artesanato, do cinema, do teatro, da literatura. A busca do belo, sublimando paixões e sofrimentos, obtendo um sentido de vida, é um caminho para todo ser humano, livrando-se em parte das misérias da existência.

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Podem continuar na batalha pela vida, estudando, buscando uma profissão, porém acrescentando a atividade artística, qualquer delas ou mais de uma, para o deleite pelo resto da vida. Não para ser famoso ou rico ou mesmo ser intelectual −basta o prazer da prática, que se destina ao outro. Ainda que seja mero apreciador da arte alheia, servindo para o prazer e acrescendo na bagagem cultural. Com esta, as demais atividades humanas ficam facilitadas. Novas e boas drogas!

Mas qual é o prazer com a arte? Muitos não imaginam. É o encanto, a fantasia, o alongar do espírito, a admiração pelo belo, pelo enlevado, a satisfação em produzir ou apreciar. Nas artes plásticas, sobretudo a visão, na música a audição. Já nas letras a beleza das palavras, o ritmo, a sonoridade, o conteúdo, o insinuado, a ambiguidade, a exposição dos perfis humanos, enfim, uma gama de felicidade obtida com a escrita e com a leitura. Uma multiplicidade de sentidos, sempre o estímulo e o prazer intelectual. A arte é o repouso da alma.

Nesse momento, novamente fui interrompido pela vigilante tia Filoca:

− Olha, de arte eu já estou cheia. Já vi você fazer muita arte quando criança! Agora, sossegou, mas por favor, não traga mais aqui aqueles seus amigos cabeludos! Tudo comunista! Nem aquele pessoal da zabumba, batuque aqui, batuque ali, violão pra cá e pra lá, incomodando os vizinhos.  Fique só na sua leitura e nos seus escritinhos!

Não, tia, isso foi décadas atrás. Ufa, pensei que ia me proibir de escrever…

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.