O STF – Supremo Tribunal Federal tem estado na boca do povo nos últimos tempos. Quando o Poder Judiciário vira notícia e seus membros são conhecidos por todos, não é um bom sinal. Você é daqueles que falam mal do STF e seus ministros? Você sabe sobre o que está falando ou compra a ideia pronta nas redes sociais?
Não, eles não são perfeitos, ninguém é, mas vamos com calma.
O STF é um órgão do Poder Judiciário (CF capítulo III art. 92 inciso I) cuja competência e estrutura estão previstas nos artigos 101 e seguintes da Constituição Federal.
É o tribunal em terceira e última instância que, acima de tudo, deve zelar pela guarda da Constituição Federal (controle de constitucionalidade), a quem compete processar e julgar: a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República; nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; o habeas corpus , sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o habeas data contra atos do presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do procurador-geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal; o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; a extradição solicitada por Estado estrangeiro, entre outros.
Para o cidadão, de um modo geral, o STF irá julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição, devendo o recorrente demonstrar (análise de admissibilidade) a repercussão geral (que possam alcançar ou interessar à sociedade como um todo, além do caso específico) das questões constitucionais discutidas no processo, nos termos da lei.
Já o STJ – Superior Tribunal de Justiça cuidará das questões infraconstitucionais, relativas às leis federais, além do previsto pelo art. 105 da CF, de um modo geral. Não existe hierarquia entre STF e STJ.
Feita esta análise técnico-jurídica inicial, perguntamos: o STF manda no país, como dizem alguns? Intromete-se em demasia nos outros Poderes? Por que atualmente quase todos os dias o STF, através de seus ministros, manifesta-se sobre algum tema? Vamos por partes.
De início, lembramos que não existe hierarquia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (Teoria da Separação dos Poderes – “Espírito das Leis”- Montesquieu).
O tribunal é composto por 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Aqui reside um dos grandes problemas, pois “notável saber jurídico e reputação ilibada” são requisitos subjetivos e a nomeação pelo mandatário do Poder Executivo reveste-se de caráter político, não raro em prol de interesses pessoais e partidários.
Para muitos, a forma de escolha dos ministros deve ser revista e modificada. Por eleição direta? Os eleitores saberiam escolher? Por mandato fixo (exemplo: oito anos)? Com requisitos objetivos mínimos e concurso, como na carreira geral da magistratura? Ideias e críticas não faltam, mas fato é que a questão deve ser debatida.
Por que o STF tem estado sob holofotes e em destaque na mídia?
Neste momento de polarização política, os discursos (e atos) não raro ultrapassam os limites legais, como estratégia até. Devemos lembrar que o STF, como todo o Poder Judiciário, só deverá manifestar-se se provocado, com algumas exceções (quando atua “de ofício”). Seus ministros gozam de garantias, mas a eles é vedado atuar além dos limites do cargo e entre outras coisas dedicar-se à atividade político-partidária (art. 95 da CF).
O STF atua como fiscal constitucional dos demais Poderes, garantindo que estes atuem dentro da constitucionalidade, através de uma lei aprovada, um decreto, um ato administrativo, enfim, qualquer movimentação que possa ir contra a Constituição Federal, com suas garantias, princípios e normas objetivas.
A atuação do Poder Judiciário é fundamental dentro da Teoria dos Freios e Contrapesos (“Checks and Balances System”), impedindo o crescimento de governos absolutistas. A Teoria da Separação dos Poderes surgiu com o Estado Liberal, baseado na livre iniciativa e na menor interferência do Estado nas liberdades individuais. Essa tripartição clássica dos Poderes se dá até hoje, na maioria dos Estados, e está prevista no artigo 2º da nossa Constituição Federal, sendo divididas e especificadas as funções de cada Poder, como vimos.
Qualquer tentativa de controle de um Poder sobre o outro afetará esse equilíbrio, afetando o Estado Democrático de Direito. Para impedir o abuso de qualquer dos Poderes de seus limites e competências, dá-se a ação do controle da constitucionalidade das leis, da decisão dos conflitos intersubjetivos e da função garantidora dos direitos fundamentais. E este papel é feito pelo Poder Judiciário.
Mas, afinal, por que o STF tem tido tanto destaque? Simples, porque os demais Poderes, seus mandatários e vários apoiadores políticos, como parlamentares, têm atuado além dos seus limites constitucionais. Como falamos, são atos executivos, decretos, projetos de lei, discursos de ódio, entre outros, que invadem ou ofendem garantias constitucionais, incluindo o livre exercício do voto, o sistema eleitoral, os direitos individuais e coletivos. Não quer que o Poder Judiciário interfira? Faça a coisa certa.
Tribunal político
Não há como negar, como dissemos, que o STF tem caráter político além do desejado técnico-processual, a começar por sua composição e forma de escolha dos ministros. Suas decisões na esfera econômico-tributária vão trazer reflexos para a economia. Além disso, a concentração de poder faz aflorar linhas de pensamento jurídico. Os “garantistas” buscam o direito de defesa em material penal, são pró-contribuinte em matéria tributária e pró-Estado quando se trata de direito público. São progressistas e julgam mais de acordo com o espírito da lei do que com a letra da lei. Já os “legalistas” aplicam a lei de forma literal. De um modo geral, se tiverem de optar entre o Estado e o cidadão eles pendem para o primeiro, dão mais razão ao fisco do que ao contribuinte.
Não concordo com várias decisões dos seus ministros, assim como não concordo com várias sentenças ou acórdãos dos tribunais inferiores. Mas respeito, buscando no devido processo legal as ferramentas contra este inconformismo. Só não aceito a ofensa pela ofensa, o xingamento barato, a sociedade truculenta, a falta de respeito, a intolerância e o desconhecimento e a mentira como verdades absolutas.
Há um discurso político atual de aumentar o número de ministros do STF. Qual a razão? Aumentar a representatividade da população ou tentativa de controle do Poder Judiciário via tribunal supremo, já que a nomeação é pessoal do presidente da República? Já houve tentativas nesse sentido, além de outras de controle legislativo sobre decisões do STF, como a PEC 33/2011 (arquivada), por exemplo.
Concluindo
A democracia brasileira é consolidada e qualquer tentativa de alterar o equilíbrio entre os Poderes é claro retrocesso e caracteriza regimes autoritários. Devemos, enquanto sociedade livre, proteger nossas instituições e o Estado Democrático de Direito. O papel do STF –e do Poder Judiciário como um todo– é fundamental.
A composição dos tribunais e forma de escolha dos ministros, tanto do STF quanto do STJ, não é perfeita, deve ser revista. Particularmente, defendo a meritocracia, em todos os níveis e em todos os Poderes. Os princípios de vitaliciedade e irredutibilidade devem ser revistos, assim como da promoção por mera antiguidade. Criamos funcionários públicos lenientes, até, em muitos casos.
Defendo a escolha dos ministros por concurso, com requisitos mínimos, de estudo, experiência e carreira. Com mandato, com alternância, assim como defendo a impossibilidade de reeleição para qualquer cargo.
E sobre a ideia de mudar a composição do STF através de uma PEC – Proposta de Emenda à Constituição? Sou partidário da tese que tal mudança só se daria através de nova Constituição, por ferir cláusula pétrea. Qualquer emenda à Constituição que desrespeite o Princípio da Separação de Poderes estará impregnada do vício gravíssimo de inconstitucionalidade. E quem decidirá sobre esta questão? O próprio STF… mais conflito entre Poderes, a quem interessa?
Como dissemos, não quer que o Poder Judiciário interfira? Faça a coisa certa, dentro das regras legais-constitucionais. Simples assim. Não concorda com as regras? Exerça seu poder através do voto, e faça-se representar nos demais Poderes. Simples assim.
> Eduardo Weiss é jurista, advogado, professor, palestrante e autor. É Doutor em Direito Internacional e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.