Quando alguém vem me contar de algo que viu na TV, costumo dizer que não vejo TV há uns bons sete a oito anos. É verdade. Um belo dia, meio que do nada, me senti mal, hipnotizado em frente daquele aparelho do qual eu era uma espécie de refém. E daquele dia em diante, nunca mais assisti a um programa, seja na TV aberta, seja na TV por assinatura. Cansei.
Hoje em dia prefiro ver tudo no meu celular ou no microcomputador, a começar pelas notícias. Afinal, posso escolher exatamente o que pretendo ler, com o bônus de ter acesso aos vídeos que acompanham as notícias. Da mesma forma, se ocorrer algum escândalo ou curiosidade fora do comum na programação da TV, a história e as imagens vão estar disponíveis na internet e posso ver só aquilo que me chamar muito a atenção.
Essa libertação do aparelho de TV e do sofá diante dele, dos quais fui escravo quase a vida inteira, me tornou muito mais calmo em relação à vida, menos “pilhado”, como dizem os moderninhos. Afinal, consegui me desviar dos programas apelativos, dos filmes chatos, dos telejornais onde impera o “mundo cão”.
Há cerca de uma semana, pude comprovar a importância dessa libertação –desse livramento, como dizem os evangélicos. Fui a uma loja de venda de pneus lá na entrada da cidade, na avenida Dr. Nélson D’Ávila, pois precisava fazer o rodízio dos pneus que comprei, em parcelas suadas, meses atrás. Enquanto esperava o serviço ser executado, me apontaram uma sala com sofás, almofadas, cafezinho, água e, como atração principal, o alívio do ar condicionado. Mas, como nada nesse mundo é perfeito, lá estava ele, o vilão, o inimigo: o aparelho de televisão.
Até aí, normal. Como havia levado um livro para suportar a espera, sentei e procurei prestar atenção nas letrinhas, palavras e frases. Mas, como uma onça à espreita da caça, a TV começou a se insinuar e foi invadindo pouco a pouco os meus ouvidos. Estavam transmitindo um jornal de TV, o “Fala Brasil”, que ocupa o início da manhã na TV Record.
Pouco a pouco, a competente apresentadora Mariana Godoy foi se metendo entre os personagens do meu livro com as suas notícias. Era quase irresistível. O livro foi sumindo e aquelas vozes, cheias de urgência e dramaticidade, invadiram o meu cérebro. A minha escolha era complicada. Ou saía da sala e enfrentava o calor “senegalesco” do lado de fora, ou ficava ali no bem-bom, mas me rendia à Mariana Godoy. Fiquei.
Foram quase 40 minutos esperando pelo serviço nos pneus. E durante esse tempo todo fui obrigado a ouvir as notícias do “Fala Brasil”. Ao final desse tempo, percebi que eu já não era a mesma pessoa que chegou na loja, cheia de disposição e bom humor. Adivinhe de quem foi a culpa de eu deixar a loja quase cambaleando…
É sério. Durante todo o tempo em que fui refém daquela telinha, não houve uma notícia boa sequer, nada que sugerisse otimismo, progresso, histórias de sucesso, exemplos positivos, nada… Em compensação, fui bombardeado por acidentes nas estradas, assaltos, falta d’água, corrupção, tudo o que não presta. Foi quando me perguntei: “Quem consegue sobreviver a tanta notícia ruim?”.
Na sequência, pensei em pessoas que conheço, familiares próximos, amigos, gente que participa do meu dia a dia, a maioria viciada em tragédias e, por consequência, sofrendo de desânimo e pessimismo crônicos. Identifiquei várias vítimas desse mal.
Alguns irão argumentar que a imprensa –especialmente os telejornais– não inventa nada, só publica o que acontece. Oquei, respondo a você. Sou jornalista e sei como funciona isso. Porém, sei também que cabe aos jornalistas, principalmente aos editores, selecionar o que irão publicar. Ou seja, um telejornal pode trazer 100% de notícias ruins, ou pode equilibrar o jogo com uns 20% ou 30% de assuntos mais amenos e até notícias boas, porque elas também estão acontecendo o tempo todo.
Sabe por que a imprensa tem preferência por notícia ruim? É porque esses programas vivem de audiência e hoje em dia a medição dessa audiência pode ser feita minuto a minuto. Infelizmente, tragédia dá mais audiência que notícia boa. Isto quer dizer mais ou menos o seguinte: nós somos os maiores responsáveis pela baixa qualidade dos telejornais porque o conteúdo publicado por ele toma como base o gosto médio da população. E esse gosto médio vem com sangue nos olhos e faca nos dentes.
O argumento da audiência é bom, mas para mim ele não é suficiente. Afinal, imprensa, e tudo o que se relaciona com comunicação pública, deve ter –ou deveria– uma função social. Aprendi, ao longo dos anos de profissão, que além da função de informar, a imprensa tem –ou deveria ter– a função de formar consciências, caracteres e bons hábitos.
Sei que isso soa hoje como coisa ultrapassada. Mas tenho visto que essa prática do vale tudo está se disseminando para além da TV, tomando conta de sites jornalísticos na internet e, é claro, já estando totalmente instalada, “do jeito que o diabo gosta”, nas redes sociais, onde se sentiu em casa. Veículos antes mais sérios, nacionais e até aqui da região, dedicam hoje espaços generosos para todo tipo de crime, qualquer coisa, até roubo de galinha. Tudo em nome dos tais cliques, do engajamento, da monetização. Ou seja, atrás do din-din.
Não quero ser exemplo de nada, mas vejo este SuperBairro, que está chegando quase aos três anos, como uma humilde tentativa de oferecer um conteúdo equilibrado para o leitor. Tem notícia ruim? É claro que sim, porque não vamos ignorar os fatos. Mas não é só notícia ruim que acontece, as boas também devem ter espaço.
O SuperBairro traz histórias de sucesso com personagens da comunidade, revive o gênero literário da crônica que está quase desaparecido da mídia, presta serviços com orientações diversas para a população viver melhor e, acredite, mantém uma apreciada coluna de poesia.
O SuperBairro quer mudar o mundo? Se puder, sim. Na prática, é quase impossível. Mas, como jornalismo não é só negócio, é também uma missão, o compromisso com o leitor é não permitir que depois de alguns minutos de leitura o cidadão saia para as ruas como quem vai à guerra.
Das muitas ideias e frases que me acompanham na carreira, uma delas tem a ver com esta crônica. É atribuída a Adlai Stevenson (1900-1965), político do Partido Democrata que foi candidato duas vezes a presidente dos Estados Unidos:
“Um editor de jornal é alguém que separa o joio do trigo –e publica o joio.”
Fica o pedido: menos joio e mais trigo.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.