Foto / Prefeitura de Monteiro Lobato/Divulgação

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Depois de muito tempo voltei à cidade de Monteiro Lobato. Foi no Dia do Trabalho, quando, sem amarras ou compromissos, vagabundei por lá conferindo paisagens, trocando acenos, conversando. Fiquei feliz por saber que velhos conhecidos como Sílvio Santos, Tião da Padaria, Geraldo da Viola e outros estão bem.

Aquelas horas errantes me proporcionaram negligência e leveza d’alma, a ponto de, em dado instante, ver-me distraído no banco da Praça de Cima com os pés descalços sobre o piso frio.

A me observar, passantes a pé ou em carros possantes; e o autor de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo” –em pedra ou bronze, sei lá!–, num busto elevado, justa homenagem a José Bento Monteiro Lobato, que um dia foi dono da fazenda Buquira, herdada do Visconde de Tremembé, seu avô.

Introspectivo diante da charmosa sede do Poder Executivo da cidade –uma construção do início do século XX, de janelas de madeira maciça e paredes encorpadas–, não pude evitar um derrame de boas e engraçadas lembranças, todas envolvendo personagens que um dia cobiçaram a principal cadeira daquele prédio à minha frente, a do prefeito. Uma em especial suscitou-me um sorriso bobo. Quem visse seria tentado a perguntar: está rindo do quê? Ria do que aqui conto.

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Aberta a temporada de caça ao voto para as eleições municipais de 1988, lá foi Carlos Maria Auricchio pedir votos na zona rural para fazer dele a dita cadeira. Ex-vereador e conhecedor das nuances da política local, meteu-se o candidato num carro de campanha e pegou uma daquelas estradinhas poeirentas rumo ao sertão para, como um beija-flor, parar aqui e acolá.

Natural da terra, Carlinhos –como era conhecido– gozava de muitas amizades; tinha lastro e, para facilitar, era bom de prosa. Na casa do eleitor, deitava falação sobre o que pretendia fazer caso eleito –dando ênfase para a arrumação das estradas rurais–, pedia o voto e ia embora. Assim, conseguia visitar um maior número de eleitores em menor tempo.

Quando à acolhida seguia-se um agrado por parte do visitante, Carlinhos, um “macaco velho”, aceitava sem hesitar. Ele sabia que, no corpo a corpo com o eleitor da zona rural, recusar um afago significava perder o voto. Era um café, uma garapa, um pedaço de rapadura, um copo de leite gordo ou até um dedo de pinga. Fazer o quê?

Ainda com o embornal de promessas de votos por encher, lá pelas tantas o candidato parou diante da casa simples de um velho conhecido e foi logo assediado por quatro ou cinco cães ruidosos, esqueléticos e fedidos. Dentro da casa, uma renca de eleitores, fazendo arregalar-se o olho do candidato.

Na expectativa de agradar o “dono” daquele portento eleitoral, enquanto descia do carro, com os animais a lamber-lhe a botina, Carlinhos foi logo chamando o anfitrião pelo nome e dizendo:

–– Parabéns, o senhor tem uma cachorrada muito bonita!

Entrou, conversou, tomou num só gole o café requentado servido na caneca de massa de tomate e teve, por parte do dono da casa, a garantia dos votos da família. Onze, contando dois genros. Despediu-se e, enquanto caminhava para o carro, o roceiro falou:

–– “Seu” Carlinhos, o senhor gostou tanto dos cachorros, eu não posso deixar que vá embora sem levar um deles. Faço questão! Vou te dar o melhor. É bom de caça, de juntar o gado e de liderança. Faço gosto que leve.

E num tom autoritário chamou o cachorro apontando para um animal macho, de médio porte e pelagem preta carcomida nas ancas pela sarna; mas alegre, de olhos vivos e rabo balanceante.

–– Faísca, venha aqui!!

O candidato não disse sim nem não; mas pensando na diferença que onze votos poderiam fazer quando as urnas fossem abertas, aquiesceu com o sinal de positivo. Pôs o Faísca no banco de trás do carro, agradeceu o presente inusitado e voou para casa deixando nuvens de poeira na estrada.

No caminho, até pensou em soltar o cachorro, mas o bicho poderia voltar para o antigo dono e denunciar a desfeita. Melhor não! –concluiu ele, sabiamente.

Carlinhos ganhou a eleição com folga e administrou de forma a marcar o nome na história da cidade. Quanto ao cachorro, consta que o levou para a fazenda Rosará, onde, bem cuidado, morreu de velhice.

Naquela minha preguiça domingueira na Pérola da Mantiqueira, não tive como não rir sozinho recordando dessa história que, testemunha ocular, meu irmão Geraldo Bueno contava e dava boas risadas.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

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