Foto / Interfisio.com.br/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Ainda ontem, um amigo comentou comigo, visivelmente preocupado:

─ Veja, estou próximo da aposentadoria e já estou esquentando a cabeça, porque vou ficar em casa sem fazer nada, no come e dorme. Preciso achar o que fazer.

Poderia dizer a ele muita coisa, eu que já experimentei a tal aposentadoria, mas a picada do bicho do humor me pegou mais uma vez e não resisti:

─ Amigo, não sei por que você está sofrendo antecipadamente por uma vida que não conhece. Você já está sessentão, não se preocupe com o que vai fazer depois de aposentado. Pelo menos metade do tempo vai gastar em consultas médicas, horas no telefone ou no teclado tentando marcá-las e vencer o inferno digital brasileiro; isto depois de conseguir achar um médico de seu convênio naquelas listas desatualizadas.

─ Também tem de ter um sistema de lembrete, uma agenda, papeizinhos pregados na geladeira ou no monitor do computador, se não vai se esquecer. Atente que você vai ter de se deslocar, com antecedência, para o consultório, geralmente em lugar difícil de estacionar e aguardar o proverbial atraso dos médicos nos horários marcados. Sai de lá, toca comprar vários remédios, caríssimos, tendo de ser esperto para achar a farmácia mais barata.

O amigo, atônito, até colaborou:

─ Você se esqueceu dos benditos exames…

─ Justamente, amigo, além de médicos tem os tais exames, que lhe tomam um tempão, fique feliz se o médico mandar você fazer um só. Tem de agendar, este local não faz este exame, este não trabalha com o seu convênio, este outro só particular. Não se esqueça do preparo que vão lhe exigir −não tome tal remédio por tantos dias, tome laxante, mande fazer preparo na farmácia, fique em jejum, mínimo e máximo, não faça sexo, faça pipi no máximo uma hora antes.

─ Ademais, remédios, têm sorte aqueles poucos sortudos que não tomam nenhum. Alguns nem vão aos médicos e correm ao encontro do Criador mais cedo. Medicamentos são vários, você tem de ir comprá-los, às vezes estão em falta, e haja cabeça para lembrar-se de tomá-los na hora certa. Além de cremes e pomadas, chatíssimos, custando geralmente o olho da cara. Olhe o tempo que tudo isso consome!

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Ah, não falei a ele do tempo considerável que vai perder por contar isso a todos e ficar naquele papo mórbido de doença, cada qual exibindo a sua marca, como aqueles desavisados que gostam de mostrar a enorme cicatriz de sua última operação.  No começo eu tinha horror a isso, mas depois compreendi –principalmente depois que eu me surpreendi fazendo o mesmo– que faz parte de uma espécie de catarse, a cura pela fala.

Depois de assustá-lo com esse rosário de dificuldades, amenizei:

─ Não significa –acalme-se, cidadão– que se aposentar seja um circo de horrores, como não o é envelhecer. A felicidade é possível e a pessoa madura tem mais condição de descobri-la, em meio aos sofrimentos normais da existência.

Também não falei a ele, mas digo aqui. Felicidade, todos sabem, é algo subjetivo, combinado com condições externas favoráveis. Não é aquela idealizada nos filmes, uma felicidade eterna e suprema: não é nem para sempre, como não somos; nem tão grandiosa, como gostamos de fantasiar. A felicidade é algo simples quase sempre, mas é dividida no tempo, um pouco se é feliz, um pouco se enfrenta dificuldades da vida, num contínuo suceder, no que se chama de condição humana.

Por outro lado, reproduzindo um ensinamento recebido anos atrás, se você não é pessoa entregue totalmente à arte, é preciso ter desde logo atividades secundárias ao trabalho: os hobbies, para que você possa manter-se ativo depois de pendurar as chuteiras.  Filantropia, leitura, coleções e jogos, além dos artesanatos; o resultado é gratificante; sem falar em atividades artísticas mais elaboradas, como a pintura e a música, além da literatura.

Isso não significa que não vai experimentar aquela rotina de moléstias, médicos, consultas, exames, remédios e papos de doença.  Espero que não.

Vai sobrar tempo, amigo?  Receio dizer que não, pois o pouco restante a sua mulher –vale para os dois– irá infalivelmente se encarregar dele, seja para contestar suas rabugices e lhe despejar outras de volta, seja para empurrar-lhe as mais aborrecidas tarefas casuais. Paciência: trabalhe sua cabeça e seja feliz.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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